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Olhar Brasília

Acervo pessoal

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Espaço convidado

As dores e as alegrias de ser Vilena

Convidada: Leiliane Rebouças é moradora da Vila Planalto e integrante do Movimento Urbanistas por Brasília.

Morar na Vila Planalto hoje é muito diferente de quando eu era criança e adolescente. Não apenas porque a configuração urbana da Vila mudou, mas, principalmente, porque o olhar das pessoas que não moram aqui mudou em relação ao bairro.

Nos anos 1980, quando os moradores da Vila Planalto ainda lutavam pela sua fixação, a Vila era composta por centenas de barracos de madeira (em alguns, viviam até sete famílias), não havia coleta regular de lixo; as ruas não eram asfaltadas e o esgoto corria a céu aberto; sobretudo havia muito mato e os quintais eram minados por fossas sépticas. A renda per capita da maioria da população era muito pequena, alguns viviam na miséria. Cabe ressaltar que a situação era um pouco diferente nos acampamentos da periferia da Vila (EBE e Tamboril), onde moravam funcionários públicos em casas de madeira amplas e bem conservadas, e que no passado foram residência dos engenheiros da construção de Brasília.

Havia um enorme preconceito social contra a Vila e seus moradores: éramos considerados favelados, até mesmo invasores dessa área nobre – um absurdo, porque aqui é e sempre foi um reduto de pioneiros e filhos de pioneiros de Brasília. A maioria das pessoas que viviam no Plano Piloto torcia o nariz para a gente, e alguns taxistas se recusavam a entrar aqui, embora o índice de violência fosse quase nulo.

Nos anos 80/90, havia ainda um grave problema social no Plano Piloto, que era a existência de gangues de adolescentes que mantinham rixa com quem não morasse em suas quadras. E como a Vila Planalto nunca teve escola de Ensino Médio, os adolescentes daqui estudavam na Asa Norte e na Asa Sul e sofriam com as disputas violentas e o estigma social. Quem mora em Brasília há muitos anos se lembra do tiroteio em uma das Lanchonetes Giraffas localizada no início da Asa Norte, motivado por brigas de gangues, em que três adolescentes da Vila Planalto foram baleados e um deles morreu.

Com tudo isso, não era raro algumas pessoas terem vergonha ou medo de dizer que eram moradoras da Vila, ou como costumamos nos referir por aqui: assumir ser um “Vileno” ou “Vilena”.

Apesar do preconceito sofrido por ser Vileno ou Vilena, morar na Vila Planalto, mesmo com a infraestrutura deficiente, era bom. Era bom não apenas por causa da localização tão perto de tudo no centro de Brasília, mas, principalmente devido à solidariedade existente aqui dentro.

Havia miséria, mas havia os vizinhos que dividiam o pão de cada dia. Não havia creche, mas havia os vizinhos que olhavam e cuidavam dos filhos uns dos outros – o que evitou que existisse na Vila o fenômeno de meninos e meninas de rua. Não havia a brincadeira “embaixo do bloco”, como no resto do Plano Piloto, mas existiam os quintais, onde se criava galinhas, patos, coelhos, codornas, cabritos e preás. Havia o correr atrás da bola fazendo poeira, a guerra de lama, o subir nas árvores e entrar no Cerrado para colher jatobá, cajuzinho, cagaita…

A melhor coisa de morar na Vila Planalto naquele tempo (e hoje ainda) é conhecer o seu vizinho. É chegar ao armazém do Geraldo – ponto de encontro de vilenos e moradores de apart-hotéis ao redor da Vila e poder dizer:

– Olá, fulano (a), como vai a sua mãe? Como vai o seu pai? Seu filho? Seu cachorro? Seu gato? (Sim, aqui, às vezes, conhecemos até os pets dos moradores!). É receber a visita dos amigos e conhecidos da vizinhança para uma oração quando alguém da família está doente, ou simplesmente para bater papo. E se você for muito querido, como minha mãe, recebe até serenata!

A Vila não é apenas um lugar cheio de restaurantes, onde você pode comer bem e barato, a Vila Planalto é uma comunidade pulsante. Aqui tem a Dona Wanda Corso, que aos 90 anos se dedica todos os dias a dirigir a creche e conhece cada um dos pequeninos pelo nome; Aqui tem a benzedeira Maria do Chapéu, que detém um conhecimento sobre ervas medicinais passado de geração em geração (mau-olhado, cobreira, espinhela caída são com ela mesma!); Aqui tem o ex-padeiro Severino, que tem 102 anos e a vitalidade de 70; Tem o músico Renato Castelo, que exibe com orgulho seu quintal cheio de plantas; Tem o radialista Clayton Aguiar, cozinheiro de mão cheia que deixa os vizinhos com água na boca quando exibe o menu do dia no Facebook, e cuja família mantém o Lar Ampare; Tem o grupo da terceira idade que se reúne às quartas-feiras; Tem coral; Tem feirinha de hortaliças às quintas na Praça do Zé Ramalho; Tem o forró da Maria Antônia; Tem as festas juninas e até festa agostina!

Hoje, a Vila é bem diferente da minha infância! Tem belas casas e infraestrutura urbana relativamente boa. Mas o que mudou muito foi a maneira como as pessoas nos tratam quando descobrem que somos da Vila, não há mais preconceito, há uma certa inveja:

– Você mora na Vila Planalto? Mora bem, hein?! Queria muito arranjar uma casinha e morar lá!

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Um comentário

  • Reply
    Eliane Lucero
    06/07/2017 at 20:03

    Que belo texto, e que belas histórias! Eu sempre achei a Vila Planalto o máximo!

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