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Algumas cenas eu só vejo em Brasília mesmo. Como ela simboliza o contraste brasileiro! Um dia desses, estava no trânsito e cruzei com dois extremos. Uma Ferrari desfilava e logo depois um tumulto de carros por causa de uma carroça. O fraco cavalo mal conseguia puxar a família de catadores e o monte de lixo recolhido nas ruas da cidade. Todos os dias, esbarro com carrões e carroças nas vias do Plano Piloto e arredores. Porsches, Mercedes e pangarés são comuns na capital.
O que me incomoda não são as carroças e os transtornos que podem causar no trânsito. Até porque as Ferraris e os Porsches também representam muito perigo nas vias, quando pilotados por irresponsáveis que pisam no acelerador. Em maio deste ano, aconteceu um acidente no Lago Sul em que o motorista, que já estava com a carteira suspensa, destruiu sua Ferrari de R$ 900 mil. Muito pior: colocou a vida de outras pessoas em risco.
Poderíamos ter carroças com mais dignidade. E ter Ferraris com mais responsabilidade. A questão aqui não é impedir as carroças de circular, mas de dar condições para que os catadores de lixo possam proteger a saúde, com luvas, botas e máscaras, no mínimo.”
O que me incomoda é o contraste, pois a carroça nesse caso em plena área urbana não tem nada de bucólico ou romântico. Ela é símbolo de uma miséria. Revela que existem pessoas vivendo em condições sub-humanas. A reciclagem de lixo é uma atividade essencial hoje nos centros urbanos. Mas as condições dos catadores são chocantes. Vi um casal em que a mulher grávida mexia, sem proteção alguma, no lixo que fica em contêineres de quadras comerciais. Consegue ganhar 200 reais a cada 15 dias. Não recebe assistência social alguma e vive em invasões aqui mesmo no Plano Piloto.
Eu, como jornalista, já fui ao Lixão da Estrutural algumas vezes. Escrevi diversas matérias sobre a vida dos catadores de lá. Ele está finalmente para ser fechado. Os catadores chegaram a ser contra, se revoltaram achando que perderiam seu sustento. Mas, não, ganhariam mais dignidade. É preciso tornar os catadores informais em trabalhadores com condições dignas inseridos no processo de reciclagem de lixo.
Brasília tem disso… Do luxo ao lixo, do lixo ao luxo. A questão aqui não é impedir as carroças de circularem, mas de dar condições para que os catadores possam proteger a saúde, com luvas, botas e máscaras, no mínimo. Brasília não merece essas cenas. Brasília, a cidade do futuro, da vanguarda, não combina com isso. Poderíamos ter carroças com mais dignidade. E ter Ferraris com mais responsabilidade.
PS – O Detran e o DER deveriam se preocupar com o perigo que carroças e Ferraris oferecem ao trânsito.
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