Convidado: Daniel Mangabeira é brasiliense nascido em Itabuna, arquiteto formado pela UnB em 1999, sócio do BLOCO Arquitetos e um dos criadores do @brasiliamoderna
Em mais um capítulo da série Brasília, quando era Moderna, o arquiteto Daniel Mangabeira conta a história da 206 Norte. “Felizes são os proprietários dos poucos blocos que ainda se mantêm originais. Daqui a pouco, estes serão os mais valorizados. Vocês moram em uma quadra especial e um dia saberão o quão rentável é preservar! Preservação e valorização andam juntas!”
A 206 Norte (SQN 206) é uma das mais belas quadras da cidade! Construída entre 1977 e 1978, possui todos os seus 11 blocos residenciais projetados pela dupla dinâmica da arquitetura de edifícios residenciais em Brasília: Marcílio Mendes Ferreira e Takudoo Takada.
O projeto dessa quadra começou em 1974, quando a UnB firmou convênio com a Caixa Econômica Federal e decidiu usar os arquitetos de carreira do banco para projetarem os edifícios. Depois de três anos de projeto, a construção iniciou-se e a quadra foi concluída em apenas 17 meses de obra.
Todos os blocos têm apartamentos de três quartos com aproximadamente 120 metros quadrados e foram projetados sob criterioso estudo de modulação. Essa rigidez gerou um padrão não apenas construtivo, mas também estético, onde as fachadas são cobertas por brises em todas as janelas e por cobogós nas áreas de serviço e banheiros. Todas as peças foram fabricadas no canteiro de obras e são elas que, segundo o próprio autor, “animam as superfícies das fachadas com efeitos que variam em função da posição do sol ou do observador”. A unidade estética e a harmonia do conjunto da quadra são de dar inveja à famosa 308 Sul, uma das mais visitadas do Plano Piloto.
De fato, a compreensão de conjunto, tão desejada por Lucio Costa nas quadras residenciais, foi aqui elevada à nonagésima potência. À primeira vista, todos os edifícios podem parecer iguais, mas para o bom observador um detalhe diferencia um bloco do outro: a cor da pastilha de vidro aplicada na parede abaixo das esquadrias! Sim, além da letra correspondente ao bloco, esse é o único detalhe que diferencia um edifício do outro e torna cada bloco singular.
Unicidade era a palavra de ordem na construção, tanto o era que os revestimentos de todos os pilotis eram iguais, o material dos pilares, as esquadrias, o piso, o cobogó e praticamente todos os elementos construtivos presentes. A escolha de materiais idênticos possibilitou a construção impecável de aproximadamente 76.900 metros quadrados em surpreendentes 510 dias. Provavelmente esse tenha sido o tipo de argumento usado pelos arquitetos para persuadir a construtora a implementar o projeto sem se ater ao fato de eles estarem seguindo os princípios de coesão formal de conjunto de edifícios, tão desejados por Lucio Costa.
Quem entende a importância de um ambiente urbano harmônico, coeso e coerente com o projeto do Plano Piloto reconhece a maestria desses dois monstros da arquitetura. Marcílio e Takudoo tiveram a chance – e conseguiram – de fazer uma quadra simples e forte, racional e sensível.”
Majoritariamente acinzentado pelo concreto, mas delicadamente colorido por pastilhas de vidro, cada bloco tem sua cor: o bloco A tem pastilha branca-esverdeada, o bloco B tem pastilha ocre, o bloco C tem pastilha vermelha, o D tem cinza, o bloco E tem lilás, o bloco F tem pastilha verde-clara, o bloco G tem pastilha na cor vinho, o bloco H tem verde-escura, o bloco I tem pastilha branca, o bloco J usa pastilha azul e o último bloco da quadra, o K, tem as pastilhas na cor verde-escura.
A boa notícia é que essas pastilhas de vidro não foram trocadas em nenhum bloco da quadra. A má notícia é que, apesar de todos os pilotis terem originalmente suas caixas de escada revestidas por cerâmicas 15x15cm com desenho geométrico bem característico, diversos blocos já as substituíram. O bloco C trocou a original por pastilhas de porcelana de cor indefinida.
O bloco D trocou por diminutas placas de mármore branco. O bloco E ocupou despudoradamente o pilotis com um aquário de vidro verde disfarçado de salão de festas. Os blocos F e J trocaram a cerâmica 15×15 por outra de igual tamanho na cor branca. O bloco G colocou uma pintura patinada texturizada e um desenho assinado por Paulo (com o telefone ao lado da assinatura). O bloco H trocou por outra cerâmica de mesmo tamanho, mas com temática praiana cheia de coqueiros envergados pelo vento, e o bloco K trocou a cerâmica de apenas uma prumada! A outra prumada do bloco continua original.
Felizes são os proprietários dos poucos blocos que ainda se mantêm originais. Daqui a pouco, estes serão os mais valorizados. Àqueles que deliberadamente trocaram seus revestimentos, ainda há tempo de refazer a bobagem! Vocês moram em uma quadra especial e um dia saberão o quão rentável é preservar! Preservação e valorização andam juntas!
Um comentário
pedro
19/10/2017 at 01:13série espetacular.