Convidado: Marcus Ligocki Júnior é cineasta. Criou a Ligocki Entretenimento, foi o coordenador responsável pela estruturação do curso de Cinema e Mídias Digitais do IESB, produziu os filmes “Rock Brasília – Era de Ouro”, “O Último Cine Drive-In” e “Uma Loucura de Mulher”.
Hoje, nosso olhar Brasília é através das lentes de uma câmera.
Descobri minha paixão pela sétima arte frequentando os cinemas brasilienses. São muitas as histórias que não consigo esquecer. Lembro de comer um delicioso cheese burguer com meus pais no Cine Drive-In enquanto assistia “As Incríveis Peripécias do Ônibus Atômico”, de chorar com “E.T. – O Extra Terrestre” no cine Márcia no Conjunto Nacional, e de lutar contra as cadeiras do Cine Atlântida, junto com a turba de garotos eufóricos que assistiam “Rocky IV”.
Cada uma dessas histórias fizeram com que eu sentisse algo especial. O tempo passou e os filmes se multiplicaram. Meus sentimentos eram tão intensos, era tudo tão excitante, que um dia resolvi passar para dentro das telas como em “A Rosa Púrpura do Cairo” de Woody Allen.
O momento exato foi mais ou menos assim… Na época, eu já havia sido capturado pela cena musical em Brasília. Estava empresariando uma banda de amigos chamada Bigroove. Era véspera de um show que aconteceria em Taguatinga e nós estávamos ensaiando num estúdio alugado no centro comercial Gilberto Salomão. Depois de uma reunião com os músicos, saí para arejar a cabeça e parei em frente a uma banca de revistas. Quando olhei para o lado, dei de cara com o Woody Allen. Sim! Ele estava lá, estampado na capa de uma publicação da revista Caras sobre diretores de cinema. Sei que parece estranho, mas nos comunicamos. Naquele dia, através da capa de uma revista, Woody Allen me convidou para escrever, dirigir e produzir filmes, e eu aceitei na hora! Voltei ao ensaio da banda e avisei que seria o último show que faríamos juntos.
Essa história com tintas do realismo fantástico não parou por aí. Na época, o curso de cinema da UnB, que foi a primeira universidade pública brasileira a ter um curso de cinema, estava fechado. José Eduardo Belmonte, Mauro Giuntini e André Luiz da Cunha, diretores que se consagraram nos anos seguintes, estavam cursando seus últimos semestres, mas ninguém mais podia entrar. O Collor, em uma canetada, havia acabado com a Embrafilme e não havia mais financiamento para produção. Naquela época o Brasil fazia um único filme por ano, mas logo que decidi começar minha carreira, paralelamente, o Brasil foi recuperando sua infraestrutura produtiva e ampliando a atividade cinematográfica. Primeiro surgiu a Lei Rouanet, depois veio a Lei do Audiovisual, o cinema brasileiro teve sua retomada, surgiu a Agência Nacional do Cinema, o FAC – Fundo de Apoio à Cultura, a Lei da TV Paga e hoje o Brasil lança cerca de 150 filmes por ano.
As coisas foram acontecendo e eu, que era um jovem filho de funcionários públicos que vieram se estabelecer em Brasília no início dos anos 70, pude entrar para este mundo e tenho hoje o privilégio de levar os meus sonhos para as telas.
Assim como eu, nas últimas décadas, centenas de jovens que cresceram nas superquadras do plano piloto ou nas cidades satélites começaram a ter a oportunidade de projetar seus sonhos nas salas de cinema, na TV ou na internet. Apenas um dos cursos superiores de cinema da cidade recebe hoje 150 novos alunos por ano.
Essa realidade faz com que os olhares brasilienses espalhem pelo mundo suas histórias, personagens e jeitos de viver, participando da formação do imaginário coletivo que fornece os “tijolinhos” que utilizamos na construção da sociedade global.
Apesar das dificuldades que vivemos, estou otimista. Acredito que em algum momento, você também contará suas histórias, dirá o que pensa e ajudará a construir um mundo que funcionará como uma grande tela capaz de acolher os sonhos de todos.
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