Convidada: Maria Elisa Costa é arquiteta, filha do urbanista Lucio Costa – o homem que “inventou” Brasília. Nesse texto, ela explica a concepção de Brasília e o que nela deve ser preservado.
A Bacia do Paranoá é o território original de Brasília, onde JK lançou a âncora inventada por Lucio Costa, que assegurou a transferência definitiva da capital do pais para o centro-oeste.
Com o local já escolhido de longa data, aconteceu a decisão extraordinária de construir a cidade, cuja viabilização contou com a dedicação apaixonada de gente do Brasil inteiro, do Presidente ao mais modesto dos candangos – que aprendeu a construir construindo – e surgiu do nada, em três anos, Brasília, inaugurada em 21 de abril de 1960.
A partir de então, com o rolar dos anos, a área urbana do DF se desenvolveu ao sabor dos ventos, misturando projetos urbanos setoriais sem nenhum planejamento de conjunto, incorporando e regularizando invasões, etc, etc, ou seja, em termos tradicionais brasileiros – a única coisa nova, continua sendo o Plano Piloto da criação da cidade.
Brasília hoje tem quase três milhões de habitantes – e, bem ou mal, a identidade original do “gesto primário” sobreviveu, em grande parte graças governador José Aparecido de Oliveira, a quem devemos o tombamento do Plano Piloto e seu entorno.
Para assegurar a permanência ao longo do tempo desse testemunho vivo de um momento sem precedentes na nossa Historia, é importante perceber que no Distrito Federal convivem duas situações urbanas opostas e adjacentes: de um lado, extensa área urbana em expansão; de outro, seu núcleo original a ser preservado. Em termos administrativos, trata-se de duas abordagens necessariamente opostas:
1- uma coisa é gerenciar o desenvolvimento urbano de uma cidade em expansão
2- e outra, bem diferente, tem o objetivo de assegurar a preservação de seu núcleo original.
Explicitar essa diferença de forma clara, sem ambigüidade, é o primeiro passo para que se estruture a gestão pública tendo em vista as características próprias de cada caso. A parte maior da área urbanizada seria administrada na forma tradicional das grandes cidades do pais, com planejamento urbano de qualidade, inteligente e objetivo.
Já cuidar do Centro Histórico é mais simples: uma vez estabelecido institucionalmente que o ‘Centro Histórico da Capital Federal’é a área delimitada pelo divisor de águas da Bacia do Paranoá.
Basta que toda e qualquer intervenção nessa área, mesmo não sendo localizada dentro do perímetro tombado ou em seu entorno direto, seja necessariamente compatível com o texto original da Portaria 314 do IPHAN – cabendo a fiscalização dessa compatibilidade a uma comissão técnica permanente e de alto nível, criada para esse fim e com poder de veto, contando com representantes da sociedade civil organizada, da Presidência da Republica e do Governo do Distrito Federal.
É da maior importância para a defesa histórica e cultural do Brasil, que possamos proteger o Centro Histórico da multiplicidade de pressões que atuam sobre a área urbana.
Desta forma, inclusive, a efetiva aplicação da legislação do tombamento de Brasília, seria menos vulnerável a manipulações do que permanecendo, como é hoje, de exclusiva responsabilidade do IPHAN.
E nunca é demais lembrar que a própria concepção do Plano Piloto de Lucio Costa inclui o horizonte definido pelo divisor de águas da Bacia do Paranoá, parte indissociável da paisagem construída…
Em Brasília, a presença desse horizonte, que permite ao céu encostar no chão, é tão importante quanto para o Rio de Janeiro a de suas montanhas.
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