Eram oito da manhã quando estacionamos a van em frente à casa de esquina no Guará. Mais um dia de gravações da 3a temporada do Distrito Cultural. A pauta Águas do Cerrado descortinava a fantástica história da Vila Amaury. Uma cidade que chegou a abrigar 16 mil pessoas durante a construção de Brasília e foi submersa pelas águas do Lago Paranoá.
Dona Eunice, nossa entrevistada, já nos esperava. E eu, num misto de fascínio e curiosidade, mal consegui esperar a montagem dos equipamentos de gravação para enchê-la de perguntas. Foi uma conexão de carinho imediata.
Ela me pegou pela mão e me levou para o cantinho precioso da casa – um espaço de garagem transformado em orquidário.
Fez questão de me mostrar cada flor, contando o nome e as histórias de cada uma delas. Depois foi falando sobre a vida no passado e o desespero dos moradores da Vila, vendo a água subir. Se emocionou muitas vezes, remexendo no baú das lembranças. Nosso papo rendeu, como uma conversa de velhas amigas.
Da casa dela, seguimos para a beira do Lago, para encontrar outros antigos moradores da Vila Amaury. Foi um dia inteiro de gravações e, no fim, a certeza de que ela era uma daquelas pessoas raras, que a gente tem vontade de levar pra casa e guardar pra vida.
Dona Eunice vibrou com o episódio do Distrito Cultural que contou um pouco da história dela. Ela não se cansava de repetir: “A Vila Amaury tem que ser lembrada, porque senão parece que nem existiu. Às vezes, eu conto o que vivi aqui nos primeiros tempos e as pessoas acham que eu estou inventando…”
Ontem Rayane, a filha de Dona Eunice, mandou uma mensagem contando que ela havia falecido. Um susto e uma tristeza. Ela estava tão bem, tão feliz, logo ali no ano passado, durante as gravações. Foi repentino e difícil de acreditar.
Desde então, o filminho dela passa sem parar na minha cabeça. Uma guerreira. Uma sobrevivente. Com uma garra incrível e ao mesmo tempo com uma doçura no olhar. Teve a casa de infância destruída pelas águas do Paranoá, passou muitas dificuldades em Sobradinho, mas venceu na vida, formou os filhos (como gostava de frisar) e cuidava de suas orquídeas.
Deixou uma história bonita de candanga, pra ser contada e recontada.
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