Convidada: Fabiana Santos tem dois filhos que nasceram em Brasília, é jornalista freelancer em Washington-DC e uma das responsáveis pelo blog Tudo Sobre Minha Mãe.
Este ano eu completo 7 anos fora. Deixei a cidade para viver em outra capital, a dos Estados Unidos. Minhas referências, minha família, meus amigos, gente que eu amo e sinto muita saudade: estão em Brasília. O tamanho da minha saudade é proporcional ao meu orgulho de brasiliense. E assim, divido com vocês o meu olhar ao perceber algumas coisas de longe:
1 – A gente sabe melhor do que ninguém fazer um balão
Se você aprendeu a dirigir nas ruas de Brasilia como eu, rapidinho entendeu a lógica de um balão. Ou mesmo se você foi parar na cidade já com carteira de motorista, percebeu de tanto precisar dele, o momento exato em que você pode ir ou deve esperar enquanto um outro carro está fazendo o mesmo balão. Afinal eles são muitos: o do Torto, o da Dona Sarah… e os de todas as comerciais, fazendo a ligação entre as quadras.
Eu me dou conta dessa nossa “expertise” toda vez que faço um balão por estas bandas (tem um grande na Connecticut Avenue, na parte nordeste de D.C. e um outro que é meu caminho na Massachussets Avenue). Eu percebo que tem sempre algum motorista vacilante que não consegue captar exatamente a hora segura de entrar no balão. Aí eu fico pensando: se este motorista tivesse vivido em Brasília, saberia o que fazer.
2 – A gente sempre vai dar preferência para o pedestre em qualquer faixa do mundo
Eu sei que este orgulho até já está meio batido. Mas nunca é demais lembrar. Brasília está a frente de muitas cidades “desenvolvidas” no mundo ao fazer o motorista parar numa faixa de pedestre assim que alguém estende a mão. As leis americanas de trânsito são bem rígidas (basta ver que você leva multa se não parar em todo e qualquer sinal de “stop”). Mesmo assim, acreditem: muitos motoristas em Washington- DC simplesmente não páram o carro para o pedestre passar. Já assisti inúmeras cenas assim. Meu costume imediato é frear o carro para o pedestre atravessar na faixa. E percebo a surpresa da pessoa que sempre atravessa me agradecendo, porque isto justamente não é comum aqui. Tenho uma vontade danada de abrir a janela do carro e avisar: “In my city, the capital of Brazil, everybody respects this law”.
3 – A gente convive com obras arquitetônicas e se sente uma referência
Conviver diariamente com uma arquitetura tão diferenciada no mundo, faz a gente se sentir num patamar especial. Na escola, você aprende sobre Oscar Niemayer e, na prática, você o enxerga todos os dias: basta passar pela Esplanada. Claro que existem outras cidades onde podemos ver obras dele. Mas é Brasília, sem dúvida, a maior referência do legado arquitetônico de Niemayer. E aí, mesmo não sendo um estudante de arquitetura, a gente acaba entendendo os conceitos, o uso do concreto, as linhas retas e as curvas, a inspiração dele a partir das teorias de Le Corbusier (e até sobre Le
Corbusier você passa a saber!). Assim, sem se dar conta, você fala sobre Niemayer para os outros porque entrou e saiu de sua obra em Brasília várias vezes na vida. Numa viagem a Barcelona, por exemplo, me senti especial. Ao responder que eu era brasileira para um estudante de arte, que conheci na Fundação Joan Miró, a primeira palavra que ele me disse foi: “Oscar Niemayer!”.
4 – A gente conhece bem cigarra e nem se assusta mais com ela
A primeira vez que vi uma cigarra, ainda criança, é claro que me assustei. Afinal, não é dos insetos mais bonitinhos do planeta. Mas com o tempo a gente vai pegando familiaridade. E apesar dela ter entrado várias vezes no meu apartamento na 308 sul durante a minha infância, me dando susto porque ficava se batendo no vidro da janela para tentar sair, eu me acostumei com ela. Porque quem viveu ou vive em Brasilia sabe que este é um encontro anual entre elas e os moradores. Basta chegar a primavera, em setembro, e elas aparecem com aquele barulhinho (que eu nunca achei bom, mas que hoje me dá uma baita saudade). O barulho das cigarras é produzido na época de acasalamento, exclusivamente pelos machos. Esta é a forma natural que a espécie encontra para atrair as fêmeas. Verdade que eu li outro dia um zum-zum-zum de que a Asa Sul e a Asa Norte já não têm mais o barulho ensurdecedor das cigarras como antigamente. Eu espero que elas não desapareçam. Afinal, as futuras gerações brasilienses também merecem ser “especialistas” em cigarra como a minha geração é.
5 – A gente guarda pra sempre na memória uma paleta das cores do céu
Vermelho, laranja, amarelo, rosa, turquesa, roxo, azul esverdeado,… todo morador já viu estas e até outras cores no céu de Brasília. E tudo fica ainda mais lindo, parecendo mesmo uma grande aquarela, pelo fato da cidade estar posicionada num planalto. Temos a impressão que o horizonte brasiliense é maior do que qualquer outro. Ok… é claro que eu não conheci o céu de todas as cidades do mundo para comparar, o que posso dizer com certeza é que nenhum outro céu que já vi (e já viajei bastante) me impressionou mais do que o céu da minha cidade.
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