Convidado: Max Fabiano é jornalista, apaixonado por Brasília e por futebol.
O futebol tem poucas regras. Uma das mais conhecidas e menos compreendidas é o impedimento. A ideia é não dar moleza, fazer com que os jogadores se movimentem mais.
No sábado, 25 de maio, vesti minha camisa 12 e fui pro Mané Garrincha. E aí aprendi que o impedimento pro torcedor em cadeira de rodas é uma regra que segue a mesma lógica. A ideia é não dar moleza.
Pra começar, não dava pra comprar ingresso pra cadeirante pelo site. Na loja onde vendiam, uma moça simpática veio até o carro pra dizer que:
1. tem um degrau na porta e não vai dar pro senhor entrar.
2. pra pagar no cartão, tem que entrar.
3. não adianta entrar, não tem ingresso pra cadeirante.
– Como assim?
Descobri que o setor que não tem escada ganhou o nome de “Hospitality”, assim mesmo, em inglês, e é uma área tão hospitaleira que pode ser vendida pra qualquer um. Ou seja, foi a primeira a esgotar. Nos demais setores, tinha ingresso de sobra pra quem pudesse subir ou descer as escadas. Pra quem não consegue, a regra é clara: tá impedido.
Como eu iria num grupo de 8 ou 9 pessoas, insisti. Compramos ingressos nas cadeiras inferiores, mais caras. No dia do jogo, entendi que ir ao futebol em cadeira de rodas é que é uma caixinha de surpresas.
Não vou nem falar do estacionamento – uma bagunça, da falta de sinalização pra chegar até as vagas especiais, da usual frustração de descobrir que estão sempre ocupadas indevidamente. Sendo justo, acho até que vi um carro do Detran em meio à fumaça do churrasquinho ou atrás do varal de camisetas do camelô, sei lá. Mas não tenho certeza.
Depois que paramos na vaga que deu pra achar no terceiro estádio mais caro do mundo, o desafio foi driblar a terra batida, o chão de brita, os morrinhos artilheiros, a falta de uma rota sem meio-fio ou barreiras.
A muralha que via adiante não era ainda a retranca do Felipão, embora por um momento tenha sonhado com a ajuda de um Felipe Melo por ali. Defesa compacta, mesmo, eram as filas, intransponíveis, labirintos margeados por grades, nenhuma delas pra pessoa com deficiência, idoso ou qualquer tipo de prioridade prevista em lei.
Quando chegou minha vez de ser revistado, um sujeito me parou como quem diz “pode isso, Arnaldo?”
Virou pra colega ao lado e perguntou:
– Como é que faz com ele?
E eu ainda não entendendo.
– É que a norma diz que não pode entrar metal. E a cadeira dele é de metal.
Por um instante, achei que ele estava brincando. Não estava. Respirei fundo. Sem saber como resolver, o cara deu de ombros.
Movi meu metal com rodas seguindo o fluxo até chegar à entrada e descobrir que… estava na entrada errada. Bola fora nos 45 do segundo tempo. Mas foi mais fácil do que pensava. Um segurança abriu a grade pela lateral. Sequer pediu os ingressos. Nem os meus nem o de ninguém que estava comigo.
– Entra aqui mesmo.
Chuta onde eu estava? No setor Hospitality. Aquele que estaria com a lotação esgotada.
Nos espaços demarcados, quase não se via cadeirante. A regra, mesmo, era de torcedores de pé, ali, aproveitando a vista livre, projetada pra quem não pode se levantar. Ou sentados nas cadeiras que deveriam ser ocupadas por acompanhantes de cadeirantes.
Já virou textão, então não vou nem contar do banheiro, porque dá pra imaginar.
Nem de situações prosaicas, como a do casal de torcedores desconhecidos que achou boa ideia ficar atrás de mim, balançando minha cadeira a cada lance importante. Vou só dizer que, lá embaixo, “quando surge o alviverde imponente no gramado em que a luta o aguarda”, fica claro: acabara de ter uma aula de Brasil, onde a regra é o jogo embolado.
PS: Tentei apelar pro tapetão. Esta semana tem jogo da seleção aqui em Brasília, e o esquema de venda de ingressos é o mesmo. Alertei o Ministério Público, e ouvi que se quiser celeridade pra problemas assim devo contratar um advogado. Eu. Sozinho. Contratar um advogado. De qualquer forma, fiz um registro na Ouvidoria do MP. E não consegui explicar que a falta de ingressos destinados a pessoas com deficiência é só um dos problemas.
4 Comentários
Arthur
05/06/2019 at 02:05Ótimo texto. Tenho mobilidade reduzida, queria ir no jogo do Flamengo quarta que vem, só de imaginar as dificuldades que irei passar, já desanimei.
Uirá Lourenço
10/06/2019 at 18:39Que belo texto, apesar de retratar uma situação tão triste e lamentável.
Venho acompanhando a (i)mobilidade e a (in)acessibilidade no DF. Felizmente não tenho mobilidade reduzida, mas pedalo e caminho muito pela cidade e registro os perrengues no caminho.
O blog Brasília para Pessoas (https://brasiliaparapessoas.wordpress.com/) reúne informações, queixas e solicitações de informações sobre acessibilidade e mobilidade. Fica a dica, caso queira contribuir com o debate e reforçar a pressão por melhorias.
Uirá Lourenço
10/06/2019 at 18:40Num texto do final do ano passado, escrevi sobre o tema após participar de um evento sobre acessibilidade. Passei as impressões com base no trajeto pela Esplanada. A ideia do texto ilustrado foi refletir e fazer provocação quanto às mudanças necessárias no ambiente urbano com vistas à plena acessibilidade. Está no link:
https://brasiliaparapessoas.wordpress.com/2018/12/01/acessibilidade-da-porta-para-fora/
Acessibilidade da porta para fora
Mauro Santiago
13/06/2019 at 08:52Excelente texto!
A parte do Ministério Público foi a cereja do bolo.
Para receber auxílio moradia, o Ministério Público corre atrás.
Para resolver problemas de acessibilidade, “contrate um advogado”.
Seria cômico, não fosse trágico. Lastimável!