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Olhar Brasília
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Samanta Sallum

Brasília 60 anos: Nascemos para amar

“Se eu dissesse que Brasília é bonita, veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas se digo que Brasília é a imagem de minha insônia, veem nisso uma acusação. Mas minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto. Os dois arquitetos (Lucio Costa e Niemeyer) não pensaram em construir beleza, seria fácil: eles ergueram o espanto deles e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério”, escreveu a escritora Clarice Lispector.

Niemeyer comentou, numa entrevista concedida a ela, no fim da década de 1960:

Sua observação me deixa satisfeito. Meu intuito ao projetar a arquitetura de Brasília foi, antes de tudo, fazê-la diferente e, se possível, plena de surpresa e invenção.”

O arquiteto completou: “Pretendia uma arquitetura que a caracterizasse e, nesse aspecto, me sinto realizado, vendo que seus elementos arquitetônicos – as colunas do Alvorada, por exemplo, vão se repetindo, sendo utilizados nas formas mais diversas”.

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Niemeyer ainda faria uma referência ao escritor e pensador francês André Malraux sobre a nova capital do Brasil. “Agradou-me ouvir certa vez de André Malraux esse comentário: ‘As colunas do Alvorada são os elementos arquitetônicos mais importantes depois das colunas gregas’.”

Vida que transborda

Brasília completa 60 anos neste 21 de abril. O que sentiriam e diriam os personagens dessa conversa? Clarice, com suas palavras, dizia que Brasília precisava de pessoas, de alma para habitá-la. Hoje, a vida transborda por aqui, somos cerca de 3 milhões.

Brasília – essa pobre menina rica, eu diria. Temos aqui o de melhor e o de pior do Brasil. E, por isso, sim, o representamos. Temos os maiores contrastes sociais, temos ilhas de prosperidade e de miséria.

Brasília ainda não é compreendida pelos brasileiros. Poucos a conhecem. E muitos falam mal.

Ela sabe ser amada e odiada. Mas, acima de tudo, é uma grande obra do povo brasileiro e merece nosso orgulho.

Brasília marca seus 60 anos em meio ao isolamento social, a uma quarentena que remonta nas ruas o vazio melancólico que Clarice apontava décadas atrás. Mas hoje há muitos corações batendo por ela e muitas mãos para aplaudi-la dentro das casas brasilienses.

 

E, neste dia, vale muito lembrar as palavras de Niemeyer para Clarice ao encerrar aquela histórica entrevista. Sobre o que é mais importante para o homem como indivíduo.

Sentir a fragilidade das coisas e a pouca importância de tudo que realizamos, ter prazer em ser útil e solidário com os que sofrem, usufruindo da vida os momentos de prazer e ilusão que ela nos propicia. Dar ao amor o sentido universal que merece. Nascemos pra amar. Para isso, sem consulta, fomos depositados neste planeta.”

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