Por Marcos Pinheiro
Quem acompanha (ou acompanhava) a cena rock/pop e é, digamos, tão “antigo” quanto eu, deve se lembrar da Bizz. Em tempos pré-históricos, onde internet era ficção científica, essa revista brasileira de circulação mensal serviu como “bíblia” para os que desejavam saber o que rolava lá fora, ler resenhas de discos e entrevistas e conhecer novos artistas/bandas – algo que a Rolling Stone continua fazendo, mas sem a mesma importância como “fonte primária” de informações. Claro que já existiam as publicações “gringas”, na época raras de se encontrar nas bancas de Brasília – estou falando de um período entre a segunda metade dos anos 1980 e o fim dos 1990.
E foi uma matéria publicada na Bizz que serviu como estopim para a criação do programa de rock de história mais longevo nas rádios brasileiras: o Cult 22. Era maio de 1991 e o quarteto punk nova-iorquino Ramones estava se apresentando em São Paulo. Ao fim do show, o vocalista, Joey Ramone, foi atuar como DJ na madrugada da programação da Rádio Brasil 2000, especializada em rock. Durante 4h30, ele tocou de tudo um pouco, movido somente a café e água, segundo relataram – com requintes de detalhes – os jornalistas André Barcinski e André Forastieri.
Ler todo aquele relato foi como sonho para dois jovens jornalistas de Brasília que haviam se conhecido há menos de um ano e tinham a mesma paixão pelo rock. Eu, mais velho, curtia os clássicos e muitas coisas dos anos 1980. Carlos Marcelo estava mais ligado nas novas bandas, mas sem perder o foco no passado. Em comum, a pergunta: por que a cidade conhecida como “capital do rock” não tinha uma emissora dedicada ao gênero?
Na impossibilidade de ter uma rádio “só nossa”, mais fácil era produzir um programa de rock. Desde março de 1990 já fazíamos, ao lado de uma equipe de amigos e ex-colegas da UnB, o FM Esporte, com notícias, matérias e entrevistas para a Rádio Cultura FM (100,9MHz). Procuramos a direção da emissora com a nova proposta – reforçada pelo fato de o Carlos Marcelo já estar colaborando com outro programa, só de lançamentos, chamado Ideia Nova, que pouco depois seria totalmente comandado por ele.
Foram meses de “negociação” e adequações de agendas. Até que, em 4 de outubro de 1991, estreou o Cult 22 com o objetivo de tocar o rock de todos os tempos em variados estilos – ou, como diz o slogan “duas horas de rock e pop sem discriminação”. O estranho nome vem do termo “cult” (objeto de culto, cultuado) e “22” era o horário do programa, das 22h à 0h.
Desde então, as noites de sexta-feira nunca mais foram as mesmas no dial brasiliense. O Cult 22 abriu portas para as novas bandas locais e as então ‘fitas-demo’ lotaram nossas estantes. Nomes como Raimundos, Little Quail and the Mad Birds, Maskavo Roots, Pravda, Oz, Low Dream, Os Cabeloduro, DFC, Dungeon, Restless, Câmbio Negro, umbora, Divine, Bois de Gerião e outros tantos da cena do rock brasiliense anos 1990 tocaram pela primeira vez em rádio. E o programa, dividido em vários quadros, ampliou essa divulgação local com entrevistas e agenda de shows e festas.
O Cult 22 também se tornou “produtor” ao lançar fitas como “Cult Cover Demo” (1993) e “Unculted Outtakes” (1996), os CDs “Unculted” (1995) e “Cult 22” (1997). Organizou festas em locais como Bizarre, Zoona Z, Gate’s Pub e Inside Club. E o Teatro Sesc Garagem (913 Sul) foi palco de shows promovidos pelo programa e do primeiro Festival Cult 22, em março de 1998 – entre diversos espaços e iniciativas futuras.
Em outubro de 1996, por conta de outros compromissos profissionais, Carlos Marcelo precisou deixar o Cult 22. Poderia ter sido o fim, mas significou apenas o epílogo de uma primeira fase. Apoiado por amigos-produtores, como Victor Ribeiro, Rodrigo Ribeiro, Zé Pedro Gollo e Lelo Nirvana, entre outros, seguimos em frente. No ano seguinte, o programa criou site próprio, que virou blog em 2008, com agenda, cobertura de shows e notícias do rock em geral: www.cult22.com.
No início de 2001, ganhamos o reforço dos jornalistas Abelardo Mendes Jr. e Fernando Rosa (o “Senhor F”), e do músico Djalma Maia, o “Phú”, além de colaborações do (também jornalista) Bernardo Scartezini. Três anos depois, foi a vez de Welbert Rabelo integrar o time. Durante seis anos, o Cult 22 “sobreviveu” em meio à programação totalmente equivocada imposta pela Cultura FM, emissora pública que decidiu tocar sucessos comerciais popularescos”. Felizmente, não fomos obrigados a mexer no nosso conteúdo. Havia respeito com a história do programa, que, inclusive, ganhou o Prêmio Engenho de Comunicação em 2005. No início de 2007, a rádio retomou a sua proposta alternativa, que permanece desde então. Período em que recebemos outros colaboradores, como as jornalistas Alessandra Braz dos Santos e Bruna Senseve, a produtora Penny Lane e o músico Alex “Podrão”. Eis que, em maio de 2012, após 20 anos e meio de transmissões, veio o fim. Ou um “até logo”. Discordâncias com a nova direção da rádio levaram o programa a “pedir demissão” – rolou até comoção (e muito bate-boca) nas redes sociais!
Fomos convidados a voltar, mas não havia mais clima para isso – aquele “respeito” se perdeu. A essa altura, o Cult 22 tinha virado bar de rock no Lago Norte, que, durante dois anos, recebeu mais de 450 bandas e 120 DJs diferentes. E experimentava a produção de um programa semanal para a UnBTV, o Cult 22 Rock Show, gravado no próprio bar. Ficamos fora do ar por um ano e cinco meses. Mas, ao sermos contemplados com projeto do FAC (Fundo de Apoio à Cultura) para a produção de 48 programas – com 26 minutos de duração, exclusivamente para a web –, bateu saudades do dial. Em outubro de 2013, reestreamos em nova emissora: a Transamérica FM (100,1MHz) foi nossa “casa” durante quase três anos, e o programa passou a ser exibido das 21h às 23h com os reforços dos produtores Octávio Schwenck Amorelli e Nina Puglia, e, depois, da fotógrafa Lyanna Soares. Em 2015, recebemos o Prêmio profissionais da Música de “Melhor programa de rádio”.
O mais recente capítulo dessa longa história ocorreu em agosto do ano passado. O Cult 22 voltou para a Cultura FM, todas as sextas-feiras, mantendo a nova faixa horária das 21h às 23h. E agora completa 26 anos de existência – 24 anos e meio efetivamente no ar. Comemoração que terá como ponto alto a edição de 6 de outubro, com três horas de duração. Ou seja, vai ter rock até a meia-noite!
E enquanto tivermos “gás”, essa história ainda continua… Não percam os próximos capítulos!
Marcos Pinheiro encarna o espírito do Cult 22: saboreia de Madonna a Sepultura, rock inglês dos anos 1980, psicodelismo, anos 1960, punk rock e… tudo isso misturado!
PROGRAMA CULT 22
Quando? Todas as sextas-feiras, ao vivo, das 21h às 23h
O quê? Rock de todos os tempos em vários estilos
Onde? Rádio Cultura FM (100,9MHz)
Onde também? facebook.com/cult22 ou soundcloud.com/cult-22
Quem faz? Marcos Pinheiro (produtor e apresentador), Abelardo Mendes Jr. (Ideia Nova), Alessandra Braz dos Santos (Cult Brasil), Bernardo Scartezini (Honky Tonk), Bruna Senseve (Brasília Connection), Djalma Phú (Sabotagem), Lyanna Soares (Cine Cult), Nina Puglia (Qual é a boa?), Octávio Schwenck Amorelli (Lado C), Welbert Rabelo (Metal Attack) e Erika Ferrare (assistente de produção).
Na sexta-feira (6/10): Especial 26 anos, com 3h de duração, das 21h à 0h
Mais informações: www.cult22.com
Um comentário
pedro
08/10/2017 at 20:22Vida longa a essa galera, grande post!